um tanto pop, bastante kitsch e irresistivelmente demodé






o sistema mofou, mas ainda tenho minha garota e uma coca-cola

O escoamento de noites de insônias, inspirações relâmpagos e talentos frustrados.
Contos, crônicas e críticas serão, de quando em quando, jogados ao vento.
E esteja atento, pois é tempo de bananas.





quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

As bananeiras encheram novamente

Bananas vão e voltam com o vento. E o vento traz boas novas. Não tão boas nem tão novas, mas pelo menos temos a brisa. Voltei.
Sem escorregar naquela casca amarela.

domingo, 6 de julho de 2008

Rock star

Foto: Fellipe Fernandes X
Ganhou da namorada, no natal passado, um tênis vermelho. Fazia a feira, toda semana, no super mercado, mas não suportou o fim do namoro. Era artista, guitarrista de uma nova banda da cena cultural. Precisava lavar os tênis sujos. Cortava os próprios cabelos e fumava Malboro. Não gostava de whisky, mas era capaz de morrer por uma coca-cola. Enforcou-se num cadarço de all star enquanto ouvia sua estupidez.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Veludo azul, David Lynch


Baby, it's a strange world

David Lynch, ao construir seu próprio mundo sustenta-o com uma linha de raciocínio peculiar: a aparente normalidade de todo ser humano esconde os mais curiosos fatos e sentimentos. Veludo azul, de 1986, é o filme que melhor resume a estética de seu diretor, não por levar ao extremo a falta de lógica de sua lógica – o que faz, de forma primorosa, Império dos sonhos – mas justamente pelo contrário: o bizarro, comum às suas obras, torna-se ainda mais estranho, pois ganha proporções grandiosas ao ser colocado lado a lado com o ordinário. Mas Lynch faz questão de nos apresentar o belo do ordinário: o canteiro de rosas vermelhas margeado por cercas brancas sob o céu azul, a organicidade dos subúrbios americanos, a clássica beleza caucasiana da mocinha, o heroísmo destemido da juventude e as palavras minuciosamente escolhidas dos diálogos.


O diretor e roteirista parece querer mostrar a superficialidade do olhar distante. Os outros são sempre normais, sempre felizes com suas gramas mais verdes, numa realidade americana típica da cinematografia noir. Contudo, quando se abre a porta da casa e, convidados ou não, entramos na vida do próximo percebemos a excentricidade dos homens e de suas vidas mundanas. Somos convidados a apreciar um pacato subúrbio americano, aquele das cercas brancas e flores no jardim, a partir de um estranho acontecimento: uma orelha humana é achada por um rapaz no chão do bairro. Daí em diante ultrapassamos, pouco a pouco, a barreira do olhar estrangeiro até nos afundarmos na estranheza daquelas pessoas e daquele subúrbio, que funciona, para Lynch, como simulacro do mundo.


O diretor nos apresenta a uma obra tensa, passamos um tempo que não se conta sem conseguir respirar tranqüilamente, o suspense do noir é levado ao extremo: Veludo azul é sufocante. Ficamos presos à tela, fascinados pela estranheza das situações, pela beleza dos quadros e pela curiosidade provocada pela possibilidade do impossível, típica da filosofia do artista criador de realidades. Talvez seja essa a matéria-prima de Lynch: a realidade, suas camadas e as inquietações que ela provoca. Assim, o diretor nos oferece uma obra que penetra nessa realidade decifrando algumas de suas camadas. Vale lembrar, no entanto, que desvendamos uma realidade própria de Lynch, com elementos cinematográficos que fazem de Veludo azul um dos mais significativos filmes da década de oitenta.


Essa é a verdadeira mágica, afinal de contas, os personagens de Veludo azul, assim como os personagens de historias noir, são estereótipos, prevalecendo sobre eles as ações da trama. Contudo, na trama lynchiana os acontecimentos são absurdos, portanto, é realmente admirável que o filme seja capaz de nos envolver. A coerência do mundo criado por Lynch não põe em duvida a veracidade da lógica daqueles personagens e situações. Acreditamos, então, naquela realidade – ainda que o cineasta faça questão de nos lembrar que tudo aquilo é cinema. Chegamos então a mesma conclusão do mocinho: “it’s a strange world” - Jeffrey diz, nós assistimos e ninguém duvida.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Mais uma dose sem gelo, por favor.

Vestia preto. As coxas à mostra.
Alguns cachos desciam,
pelas costas, do cabelo preso.
Fim de noite. Último cowboy.
Ela passou por mim,
fez que não viu.
Virou de novo.
Não perdi a chance:
no ato, engravidei sua retina.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Na gaveta

Foto: Jonathas de Andrade

Descobri tudo. Já é o terceiro emprego nesse mês. Sei que você virá novamente com aquela conversa sobre arte e expressão. Quero que você e sua arte se fodam. Estou farta de tuas promessas. Achei outra garrafa de whisky na sua gaveta.
O leite acabou. Estamos indo pra casa de mamãe. Por favor não nos procure.
Teresa

PS: O jantar tá no forno.

Beijos proibidos, François Truffaut

Saudações a Antoine Doinel

Em fevereiro de 1968 , Truffaut filmou Beijos Proibidos, terceira aparição do incompreendido Antoine Doinel, personagem vivido por Jean-Pierre Léaud em Os incompreendidos (1958), Amor aos vinte anos (1962), Domicílio Conjugal (1970) e Amor em fuga (1978). Nesse mesmo fevereiro Henri Langlois foi destituído do seu cargo na Cinemateca Francesa. Daí em diante aconteceria em Paris a grande revolução da segunda metade do século XX: liderado por estudantes, o episódio de maio de 1968 acabou de completar quarenta anos e é o símbolo maior dos jovens daquela geração. Esperava-se então que François Truffaut, membro do Conselho de Administração da Cinemateca Francesa, materializasse essa inquietude revolucionária no filme que estava gravando - tendo em vista que o protagonista fazia parte de tal geração, ao menos de acordo com sua faixa etária. Mas Truffaut estava em busca daquilo que vai além do contemporâneo.

Em Beijos Proibidos vemos a saída de Doinel do serviço militar e sua carreira como detetive particular, condição que o faz viver aventuras dignas de serem filmadas por um cineasta da Nouvelle Vague. O filme encontra sua graça na poética melancolia da vida de Antoine, que parece estar sempre a procura de seu lugar – aí também reside a tristeza da história, já que um espírito errante como o do jovem jamais será compreendido. Assistimos a um filme de personagens, pois esses prevalecem às situações, aos fatos e ao enredo: entendemos a história através de sensações. Com isso, as interpretações ganham um peso ainda maior: certa vez Truffaut afirmou que Antoine era ele mesmo até o momento que o entregou a Jean-Pierre Léaud, com isso o personagem tomou vida própria . De fato, acreditamos no filme pois criamos uma certeza: Antoine Doinel existe.

Beijos Proibidos não é moderno: Truffaut parece desejar eternizar seu olhar. Sendo assim, ele faz uma obra embriagada de nostalgia, sobre uma juventude que sempre existirá mas que nunca será nova. Uma nostalgia melancólica, mas não triste. Como aquela música de Charles Trenet que dá início ao filme e pergunta, numa melodia suave, o que restará do nosso amor. Assim também faz Truffaut com Antoine Doinel - ele encara os olhos inquietos dos jovens de todas as épocas e pergunta, num suave longa-metragem : o que restará da nossa juventude?

Lá depois da curva

Foto: Henri Cartier-Bresson
Ela não usava esparadrapo. A ferida estava aberta, com sangue e pus, mas ela recusava-se a tapar. Não. Sararia com o tempo e com o vento: foi para o andar mais alto da casa e abriu a maior janela, sentou-se e deixou lá o joelho ao vento. Nua e despida de todos os pudores. Nua na janela de casa, como a donzela na mais alta torre, ela o encontrou. Ele trazia na boca um vermelho sangue de vinho barato - primeiro estranhou o batom do rapaz, mas depois percebeu que de fato era vinho. Três gritos de felicidade foram dados e duas agonias foram exorcizadas numa única aleluia. Ele pediu as tranças e ela lhe deu o coração. Perguntou se tinha um cigarro, ela negou e cantou. Ele tombava, ela sorria. Ele bebeu outro gole e jogou a garrafa nos paralelepípedos. Nesse momento a fada azul saiu da ferida e correu ladeira abaixo. Não sem antes dar-lhe asas - vermelhas - para o beijo da anunciação.